segunda-feira, 27 de setembro de 2010

SE O BRASIL DESCOBRISSE O BRASIL - Capítulo II


Se o Brasil descobrisse o Brasil – Capítulo II


Exclusivo – Antropólogo explica o polêmico ato ecumênico de além mar



A última semana foi recheada de petardos entre governo e oposição em terras brasileiras, depois que veio a público a notícia de que o ato ecumênico previsto para ser celebrado nas novas terras descobertas pelo Brasil em além mar, se converteu em uma celebração aos moldes dos nativos daquelas paragens, com direito até mesmo a canibalismo.


Segundo o relatório de viagem que vazou para a imprensa, no dia 24 de abril estava prevista a realização de um ato ecumênico com a presença de um padre, um pastor e uma mãe-de-santo. A cerimônia visava celebrar o descobrimento e proporcionar o primeiro contato mais próximo com os nativos.


Na data dos fatos, contudo, por decisão do antropólogo da missão, professor Apanágio Melo, decidiu-se por adotar uma política de maior aproximação cultural com os indígenas da tribo tupinambás. Foi travado, então, contato com o cacique e o curandeiro da tribo e, como “demonstração de boa-fé” atribuiu-se a eles a condução da cerimônia religiosa, segundo sua própria cultura.


Após dançarem em volta de um totem completamente nus, os descobridores foram induzidos a provar uma beberragem típica, produzida com uma raiz típica da região, que os indígenas chamam de “mandioca”, misturada à saliva das mulheres da tribo.


Contudo, o ponto mais controverso da cerimônia se deu quando o cacique tupinambá determinou que se elegesse um membro da missão para servir de “alimento ao povo”. Segundo consta do relatório oficial, o sr. Genaro de Oliveira Silva, um grumete de 66 anos foi selecionado. O critério utilizado foi o da idade avançada do marinheiro, que foi amarrado, asfixiado, cozido em um grande caldeirão de barro e servido como iguaria aos presentes.


O relatório provocou a ira de diversas entidades brasileiras, levando os partidos de oposição, juntamente com a CNBB e a OAB a divulgarem Manifesto em repúdio aos métodos adotados pelos descobridores, e solidariedade à Dona Araci da Silva, viúva do grumete Genaro.


De outro lado, PT, UNE, CUT, MST e um grupo de antropólogos, sociólogos e filósofos da Universidade de São Paulo se reuniram em manifestação pública protestando “contra o imperialismo e a mídia golpista”. Segundo os manifestantes, setores conservadores da sociedade brasileira buscam, com o auxilio de órgãos da mídia, forçar uma política de dominação aos habitantes da agora chamada Terra Brasilis, o que não seria a missão dos descobridores.


Uma das lideranças intelectuais deste movimento é o professor e filósofo Iberê Costa. Mestre em filosofia pela Universidade de São Paulo, Doutor em Sociologia e Antropologia pela Universidade de Brasília, o professor Iberê concedeu uma entrevista a este periódico:


HOJE EM FOCO – Professor, o Sr. tem se posicionado em defesa do ato realizado pelos exploradores em Terra Brasilis. Porque?

Veja bem meu caro, tudo parte de uma questão de princípios. O governo brasileiro tem uma visão progressista da exploração marítima, no sentido de não utilizarmos da nossa tecnologia, que permite desbravar os sete mares, em um contexto de dominação do homem pelo homem. Não podemos querer impor a nossa cultura a outros povos. O sentido das explorações navais brasileiras não é o de subjugar, mas sim o de integrar. Esse princípio de não discriminação foi o principal motivo, inclusive, para que se alterasse o nome inicialmente dado à terra descoberta de Terra Preta para Terra Brasilis. O primeiro nome soava muito depreciativo, discriminatório mesmo com nossos irmãos afrodescendentes.


HOJE EM FOCO – Mas algumas peculiaridades culturais destes povos, não deveriam ser contornadas pelos exploradores?

Certamente. Alguns costumes dos Tupinambás são realmente diferentes dos nossos e em certo contexto, podem ser considerados cruéis e avessos à nossa tradição democrática. Por exemplo: Segundo nos dá conta o professor Apanágio, na cultura deles existe um dado que é de uma crueldade ímpar, ao se constatar que entre eles somente tem direito a comer aquele que trabalha, ou seja, o indivíduo, de uma forma cruel, absurda mesmo, depende apenas de sí próprio para sobreviver. Não há um aparato social que o proteja se ele não puder ou não quiser trabalhar. Outro dado peculiar é que, entre os nativos, não há uma tradição democrática como há entre nós. Entre eles, somente o guerreiro mais forte, ou o ancião mais sábio pode pleitear a liderança da tribo, quando todos sabemos que isso é um preconceito que não permite que eles desfrutem de uma amplitude democrática como nós.


HOJE EM FOCO – E no entendimento do senhor, devemos nos integrar à essas peculiaridades?

Não necessariamente. Acreditamos que podemos transferir a esses nativos, uma consciência social e de classe que permita que eles mesmos percebam que posicionamentos individualistas, elitistas como esses que eu narrei não contribuem para a sua evolução enquanto nação indígena.


HOJE EM FOCO – Então, se a ideia é conscientizá-los, porque aderir a rituais tão atrasados como o canibalismo?

Veja bem, no caso de seus rituais religiosos, acreditamos que não é algo que nos diz respeito. Não podemos hierarquizar as manifestações culturais da forma imperialista que alguns setores conservadores da sociedade pretendem. Se para a sociedade brasileira, devorar outro ser-humano pode parecer grotesco, para eles também pode parece terrível que sacrifiquemos um peru para celebrar o Natal. São manifestações culturais que se equivalem.


HOJE EM FOCO – Mas para que participar de algo que para a sociedade brasileira é anti-natural?

O que deveríamos fazer? Bancar os imperialistas estadunidenses e dizimar toda a população indígena? A realidade é que quem protesta contra a participação brasileira no ritual religioso tupinambá, na realidade, defende que massacremos todos eles, o que é contrário à natureza humanista do povo brasileiro.

HOJE EM FOCO – O que o senhor pode dizer para consolar a viúva do grumete Genaro?

Posso dizer à dona Araci que ela deve ter a tranquilidade de saber que seu falecido esposo foi escolhido de uma forma justa, criteriosa e democrática. Não ocorreu qualquer tipo de favorecimento ou direcionamento na escolha.


HOJE EM FOCO – Segundo informado, o critério usado para a escolha levou em conta a idade do grumete. O professor Apanágio, contudo, tem 68 anos – dois a mais do que o sr. Genaro. Porque ele não participou do sorteio?

Ora, o professor Apanágio é uma sumidade em sua área. Como poderia ele ser levado ao sacrifício e privar toda a expedição de seus conhecimentos? Levantar e baixar âncoras, içar velas e limpar convés – o serviço de um grumete – qualquer um pode fazer. O direcionamento sociológico e antropológico do professor Apanágio, no contexto da missão, é insubstituível.

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