segunda-feira, 9 de março de 2009

As Fraquezas do Forte




A Fortaleza de Santo Amaro é considerada o conjunto arquitetônico-militar mais importante do Estado de São Paulo. Erguida em 1584 durante o reinado de Felipe II da Espanha e I de Portugal (na época, Portugal e Espanha formavam um só reino, comandado por um espanhol), foi responsável pela defesa territorial do Brasil em diversas oportunidades – a primeira, contra uma investida do corsário inglês Edward Fenton, e a última em 1893, quando seus canhões repeliram a revolta da armada – hoje jaz como amontoado de pedras, como se tivesse sido construída ontem.

É certo que em 1993 o forte, até então completamente abandonado, passou por um processo de restauração que lhe devolveu parte da imponência arquitetônica do passado, mas, como pudemos constatar no último fim de semana, isso está longe de ser o bastante.

No último sábado, recebemos em nossa casa a visita de familiares que residem no interior de São Paulo – um casal e duas crianças com 2 e 4 anos. Amantes, como nós, de pontos relacionados à história de nosso país, a idéia de visitar um forte militar construído quando o Brasil contava com apenas oitenta e quatro anos de “idade” parecia ser um programa maravilhoso. Havíamos previamente pesquisado todas as informações a respeito do forte – horário de visitação, preço e como chegar ao local. Nos dirigimos então à ponte dos práticos, na Avenida Saldanha da Gama. Lá, o primeiro sinal de abandono: contrastando com as ofertas de passeio de escuna pela orla, não havia sequer um pedaço de cartolina informando qual barco se dirigia à fortaleza.

Depois de perguntarmos a respeito para duas ou três pessoas, alguém nos informou que o percurso era feito pelos barquinhos que iam à praia do Góes. Localizamos o “tal” barquinho, pagamos a passagem de R$ 1,80 por pessoa e iniciamos o trajeto. Ao chegarmos ao local, o próprio condutor do barco nos perguntou, descrente, se iríamos mesmo ficar por ali. Nosso estranhamento à pergunta durou apenas os poucos segundos necessários para desembarcarmos e nos depararmos com um grupo de indivíduos sentados no píer fumando maconha – um deles, inclusive, não tinha mais do que oito anos de idade.

Novamente, não havia sequer um pedaço de guardanapo indicando onde era a entrada da Fortaleza. Descobrimos na base do “espírito desbravador”. Ao ultrapassarmos o pequeno portão de ferro, dois supostos funcionários sentados estavam e sentados continuaram, como se fôssemos um grupo de fantasmas de habitantes do forte.

Visitamos por conta própria a fortaleza. Admiramos a vista, fotografamos os dois canhões que ainda restam ali, as vigias, lemos os informativos históricos enquadrados na parte interna, descobrimos, sempre sozinhos, entalhes na muralha externa que, imaginamos, terem servido para alinhar os canhões de outrora, enfim, nos confraternizamos com um passado suposto, já que ninguém havia para nos informar o que era imaginação e o que fora realidade.

Após passearmos por cerca de vinte minutos, os dois indivíduos sentados, que já começávamos a suspeitar serem estátuas decorativas, deram sinal de vida e nos solicitaram, gentilmente, que assinássemos o livro de visitas. Assim fizemos e nos dirigimos ao píer para aguardar o transporte de volta.

Logo na saída fomos saudados por uma simpática ratazana, que saiu de entre as pedras e entrou correndo no forte. O Gran finalle, contudo, se deu com a aproximação de um dos indivíduos que, quando chegamos curtia despreocupado a sua cannabis e que, sentando-se ao nosso lado, diante das crianças, passou a discorrer sobre sua “interessante” escalada no mundo do crime, desde quando, aos nove anos de idade, ajudava o pai no tráfico de drogas da região, passando por sua estada na FEBEM aos quinze, e terminando com a última pena cumprida, esta por, após assaltar uma relojoaria no centro de Santos, ter pedido um cigarro a um Policial Civil. Entre os “instrutivos” episódios de vida, o indivíduo pedia dinheiro que nós, temerosos por nossa segurança, não tínhamos como negar.

Ao fim e ao cabo, percebendo que nossa aventura começava a tomar um rumo um pouco arriscado, e tendo em vista que o barco de volta não aparecia, resolvemos acenar para outro, que se dirigia à praia do Góes e que gentilmente atracou no píer, não sem nos cobrar o trajeto até a praia – onde não descemos – e outro trajeto até a ponte dos práticos.

Da visita, além da vergonha de termos submetido nossos familiares a tão desagradável experiência, restou-nos uma triste constatação:

Muito se fala atualmente de uma “crise ética” em nosso país, da falta de ideais e de amor à pátria da juventude. O que não se fala, é que o futuro se constrói aplicando-se no presente os exemplos do passado. Visitamos um ponto turístico recheado de histórias de heroísmo, idealismo, desprendimento e dedicação. Ninguém ali se dispôs a nos contar esses feitos e nem sequer em prestigiar um local com nada menos do que quatro séculos de existência. Os únicos feitos contados com orgulho, foram os de um criminoso reincidente de vinte e quatro anos.

Não se pode amar o que não se respeita e não se pode respeitar o que não se conhece.

Foto: Mônica Blandy