Bruno Maranhão, líder do MLST, já gostou de Guevara, Fidel e Lenin, mas hoje está mudado. Prefere Hugo Chávez
Paulo Moreira Leite
BRASÍLIA
A vida não pára de pregar peças no engenheiro Bruno Maranhão, de 66 anos, filho de usineiros "por parte de pai e de mãe, pois cada família tinha a sua usina". Guerrilheiro urbano sob o regime militar, ele participou de um assalto a banco, mas nunca foi preso - chegou a ser detido e torturado durante algumas horas, sendo liberado pouco depois.
Três décadas mais tarde, quando o Planalto é ocupado por Luiz Inácio Lula da Silva, aliado político de mais de duas décadas e amigo tão próximo que muitas vezes chegou a ficar hospedado em sua casa no Recife, ele passou 38 dias trancafiado numa prisão de Brasília. Foi algemado e preso pela Polícia Legislativa, que cumpre ordens do presidente da Câmara, Aldo Rebelo, deputado do PC do B, partido que, na mesma época em que ele vivia na clandestinidade, protagonizou a guerrilha do Araguaia.
Nos primeiros dias, Maranhão foi mantido em regime de isolamento, cumprindo a temporada restante em companhia de um policial condenado a muitas dezenas de anos por homicídio. Tudo isso porque, na tarde estranha e terrível de 6 de junho, um grupo de militantes do Movimento pela Libertação dos Sem-Terra (MLST), do qual ele é o fundador e líder principal, promoveu cenas de arruaça e baderna no Congresso. A maioria dos brasileiros não consegue se esquecer das imagens de um automóvel revirado, vidraças quebradas e, mais do que tudo, uma militante do MLST destruindo caixas eletrônicos em movimentos que pareciam golpes de espada. Os adversários eleitorais do amigo de Lula também não se esquecem e foi por essa razão que, quando Maranhão deixou a cadeia, na semana passada, o PT tratou de informá-lo de que não será personalidade bem-vinda nos palanques da reeleição.
A memória dele sobre a tarde de 6 de junho é diferente da que ficou à Nação - não por sua culpa, exclusivamente.
RESPONSABILIDADE
Quando a baderna explodiu, ele se encontrava no gabinete de um deputado petista. Dirigente do PT, Maranhão tinha ido ao Congresso para cumprir duas tarefas discretas, pois julgou inconveniente envolver sua segunda identidade política - líder do partido do governo - num ato que poderia gerar complicações para o próprio governo. Por essa razão, diz, foi escalado para imprimir cópias de uma carta de reivindicações que seriam entregues a Aldo e convidá-lo a participar de um ato que pretendiam realizar ali dentro.
Ao ser informado da arruaça, ele se dirigiu ao gabinete de Aldo, de quem ouviu a afirmação de que os integrantes do MLST seriam presos. Retornou ao Salão Verde do Congresso, onde reuniu os militantes do MLST, em companhia de parlamentares, jornalistas e funcionários da Casa em estado de choque. "Isso não estava programado. Mas naquela hora eu tinha a obrigação de assumir minha responsabilidade política", afirma.
Preso e algemado pouco depois, não viu os telejornais naquela noite. Amarrado pela algema a um banco de delegacia de Brasília, ele acusa policiais do Congresso de passarem a noite dando chutes na sua canela toda vez que cochilava - para impedir que dormisse. Só no dia seguinte pôde ter uma idéia do ocorrido, ao assistir ao telejornal Bom Dia Brasil. Ao sair da prisão, sequer tinha assistido àquela fita de vídeo, produzida por um militante do MLST, que mostra uma reunião de dezenas de ativistas debatendo os detalhes daquela ação que, no jargão interno, é definida como "ocupação pacífica de edifício público". Foi só neste momento que conseguiu inteirar-se do volumoso material que a imprensa publicou sobre o caso.
Maranhão defende a "ocupação pacífica" e lamenta que tenha ocorrido uma falha muito modesta, que chama de "um erro operacional". Sustenta que a baderna não estava nos planos. "Os militantes do MLST que participaram dela, uns 15, no máximo, terão de se explicar. E poderão ser expulsos do movimento, pois desobedeceram à nossa orientação."
Mesmo que se dê crédito a tudo o que ele diz, resta o raciocínio segundo o qual foi correto levar 700 militantes para dentro do Congresso, onde iriam cantar cirandas e hinos, numa balbúrdia que, sem a intenção de machucar ninguém nem produzir um único caco de vidro, destinava-se a paralisar os trabalhos da Casa por duas horas - façanha que, na história brasileira, até hoje só ocorreu pela ponta cortante de baionetas militares e que, em países de democracia gasosa, como a Bolívia, integra o arsenal de organizações guerrilheiras para bloquear o funcionamento de instituições e derrubar governos, não-eleitos e também eleitos. Os teóricos chamam isso de "democracia participativa".
PARALISAÇÃO 'ÚTIL'
'"Seria uma paralisação muito mais útil para o País do que esses dias em que o Congresso fica sem trabalhar", argumenta Maranhão, num discurso populista. "O Brasil iria discutir a reforma agrária, a necessidade de liberar verbas para o desenvolvimento e toda uma pauta de reivindicações."Ele também acha natural que, por razões de segurança do MLST, a maioria dos militantes, trazidos de vários pontos do País, sequer tenha sido informada do local da "ocupação".
Ele define os militantes, trazidos de dez Estados, como lavradores e camponeses "escolhidos entre os mais corajosos, mais combativos". E se uns deles achasse que o Congresso deveria ser defendido pelo povo e não ocupado?
Careca, cabelos tingidos de acaju, comportamento sempre afetuoso, a conversa de Maranhão pode ser definida como o diálogo improvável de um dinossauro simpático. Ele fala de "ocupações pacíficas" de um jeito maroto, de quem espera uma certa cumplicidade do interlocutor, como se fosse uma ação que ninguém precisa levar totalmente a sério, pois seria uma demonstração radical, barulhenta, mas inofensiva. O senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), que, como toda a elite pernambucana, conhece Maranhão e suas histórias desde o tempo da faculdade, faz uma distinção. "Ele é ingênuo, mas não bandido", costuma dizer, entre amigos. Uma das mensagens que deixaram Maranhão confortado, na prisão, foi ouvir de um velho amigo da família que só podia admirar "um homem que aos 66 anos ainda tem disposição para subir num caixote e falar de suas idéias".
A partir de motivações que tanto ajudam a formar uma consciência política como podem refletir um imenso sentimento de culpa, ele explica que se tornou revolucionário e socialista por "razões afetivas". "Na infância eu brincava com meninos pobres que cresceram perdendo os dentes e envelhecendo depressa, enquanto eu ia para faculdade e podia aproveitar a vida."
CHÁVEZ
As idéias políticas de Maranhão têm aquela capacidade de mudar e continuarem as mesmas. Com pouco mais de 20 anos, integrou as fileiras do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), organização armada que tinha em suas fileiras comunistas históricos e lendários, como Jacob Gorender, também um historiador competente; Apolônio de Carvalho, combatente da Guerra Civil Espanhola e da Resistência Francesa, e Mário Alves, dirigente massacrado no porão militar sem revelar mais do que o próprio nome e o cargo que ocupava no partido. Aos 40, empenhou-se na fundação do PT. Aos 60, lidera uma tendência do PT chamada Brasil Socialista, publica um jornal chamado Brasil Revolucionário e sente-se em casa quando dirige uma reunião do MLST.
Ele diz que já gostou de Guevara, Fidel e Lenin, mas hoje prefere Antonio Gramsci, o comunista italiano que desprezava as idéias de ruptura revolucionária para defender a disputa da hegemonia na sociedade "numa lenta transição do capitalismo para o socialismo", diz. Outra admiração é o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que desde a primeira eleição costumava visitar o Recife, onde está enterrado o general Abreu Lima, que lutou nas tropas de Simon Bolívar. Com o tempo, os dois se conheceram e se encontram sempre que podem. Lembrando uma das últimas conversas, Maranhão fala de um encontro no qual estava ele, Chávez e João Pedro Stédile, o líder do MST. "Ele disse para nós dois que precisávamos ajudar o Lula a ganhar a eleição", lembra.
'Em invasões, o pior é a 1ª meia hora. Depois o pessoal acostuma'
'Em invasões, o pior é a 1ª meia hora. Depois o pessoal acostuma'
Objetivo da ocupação, que segundo o dirigente dos sem-terra terminou em paz, era parar o Congresso por duas horas
Paulo Moreira Leite
BRASÍLIA
A invasão do Congresso, em junho, foi "um erro operacional", mas nessas ações o pior é só a primeira meia hora, "depois o pessoal acostuma", diz Bruno Maranhão, libertado na semana passada. A seguir, trechos da entrevista dele ao Estado:
A ação no Congresso foi um fracasso?
Não. Cometemos um erro operacional.
A idéia era parar o Congresso?
Era parar por duas horas.
Mas isso é certo?
O País ganharia mais com essa interrupção de duas horas do que nas horas em que os deputados ficam sem trabalhar.Mas isso é outra coisa...Estamos falando de democracia participativa, de cidadania popular.
Vocês também fizeram isso na ocupação do Ministério da Fazenda?
Nós respeitamos o lugar. Não invadimos a sala do ministro Palocci e deixamos todo mundo trabalhar.
Mas sempre há perturbação?
Em invasões, o problema é a primeira meia hora. Depois, o pessoal acostuma. Nós fizemos segurança na porta. Num primeiro momento, os funcionários corriam assustados. Depois, tudo terminou pacificamente. Até almocei com eles, normalmente.
O senhor faz isso porque acredita na revolução?
Já acreditei em muita coisa e já fiz muita autocrítica. Entrei para a guerrilha e depois fiz autocrítica. Existem coisas interessantes entre muitos pensadores de esquerda. O mais importante para nós, hoje, é (Antonio) Gramsci. Para ele a revolução não significava luta armada, mas a transformação das estruturas sociais, onde a produção pudesse ser partilhada e não concentrada como hoje, quando se produz um quadro de exclusão social gravíssimo. Se você me perguntar sobre a revolução brasileira, eu diria que ela é pacífica.
Por que o MLST recebe tanto dinheiro do governo?
Criamos empresas comunitárias, queremos uma alternativa ao agronegócio, dando lotes ao lavrador. Já temos dez assentamentos, com 8 mil famílias. Recebemos R$ 5,5 milhões. A maior parte vai para salário de agrônomos, tudo controlado pelos tribunais.
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