quinta-feira, 20 de junho de 2013

FEIJÃO SEM TEMPERO - Por Luciano Blandy


Imaginem a seguinte situação, com dois desfechos possíveis e suas conseqüências prováveis:

Um marido chega em casa após o trabalho, senta à mesa e a esposa lhe serve o jantar. Após dar uma garfada no feijão, o marido reclama que está sem sal, então se levanta e aplica um direto de esquerda no rosto da mulher. Enquanto ela tenta entender o que aconteceu, o marido começa a berrar:

 - Não é só por causa do feijão sem sal! É por você me trair todo dia com o porteiro do prédio. É por você tirar dinheiro da minha carteira quando eu estou dormindo. É por você ter batido meu carro!

1º Desfecho:

A mulher corre ao telefone e aciona a polícia. O marido é conduzido à delegacia, onde relata as traições, furtos e prejuízos ao delegado mas é preso mesmo assim. Após sair da cadeia, põe a mulher na rua e pede-lhe o divórcio. Como conseqüência, ele busca uma nova companheira que lhe seja fiel, que não lhe furte e que construa com ele um patrimônio sólido. A ex-mulher, nunca mais o procura, porque a agressão física tornou a relação dos dois insustentável e, também, porque passou a temer a violência do homem a quem considerava um trouxa.

2º Desfecho:
A mulher calmamente recolhe seus dentes da mesa, pega o prato do marido, joga a comida no lixo e a substitui por outra, com o feijão temperado do jeito que ele gosta, pedindo desculpas pelo esquecimento. Os dois comem, vão para o quarto, deitam lado a lado e dormem juntos como se nada tivesse acontecido. Como conseqüência, a mulher continuará traindo o marido com o porteiro do prédio e também resolverá dar mais atenção ao vizinho, que sempre lança olhares indiscretos a ela. Além de tirar dinheiro da carteira do marido quando ele dorme, passará a fazer um pequeno fundo de reserva no banco, superfaturando as despesas com mercado. Entretanto, nunca se esquece de temperar o feijão do jantar evitando, assim, nova reação violenta.

Moral da história: Alguns limites nunca devem ser ultrapassados. Não há meios de se voltar atrás, depois que certos passos são dados.

Nos últimos dias, o que começou como uma manifestação de um grupelho radical por uma redução de R$ 0,20 no preço da passagem de ônibus em São Paulo, converteu-se naquilo que já é considerado o maior levante popular desde o “fora Collor”, com a diferença de que, neste caso, a massa de gente não seguiu o comando de partido algum.

As maiores capitais do país pararam e assistiram milhares de pessoas clamando por um basta nos desmandos do Estado na suas vidas e finanças.  O povo bradava nas ruas “não são só R$ 0,20”, dando a entender que o aumento das passagens foi o ponto final de ebulição em uma seqüência de acontecimentos que levaram o brasileiro ao limite de sua tolerância.

As manifestações – com invasão de casas legislativas, cerco à Prefeituras, interrupção do tráfego em grandes capitais – atingiram o ponto de não retorno. Não é mais possível deitar, apagar as luzes e fingir que nada aconteceu.

Entretanto, eis que depois de uma semana de protestos, Prefeitos e Governadores no país inteiro resolveram baixar as tarifas de transporte público em valores que variam entre R$ 0,05 e R$ 0,20. Imediatamente a imprensa passou a afirmar que “o povo venceu”. Será?

Se o motivo da insatisfação era a corrupção endêmica no país, os impostos escorchantes, os serviços públicos sofríveis, os gastos injustificáveis com a Copa do mundo, a impunidade dos mensaleiros e tiveram apenas como estopim o aumento nas passagens de ônibus, o que podemos esperar, caso os protestos se encerrem após a redução das passagens?

Certamente a corrupção e a impunidade serão mais desabridas do que já são, os tributos continuarão a ser majorados - afinal, os R$ 0,20 de desconto na passagem têm que sair de algum lugar – os gastos injustificáveis com Copa do Mundo e outros exemplares do “pão e circo” permanecerão, gritando “trouxas” em nossos ouvidos. Mas nunca mais a classe política se esquecerá do tempero no feijão do jantar. É suficiente?

sábado, 2 de fevereiro de 2013

ESTÃO CHORANDO POR QUE? - Por Luciano Blandy

"A ética não é um objetivo em si mesma. O objetivo em si mesmo é o interesse nacional. A ética é meio, não fim"

A frase acima foi dita ontem, pelo novo Presidente do Senado, o Senador Renan Calheiros. Poucos se deram conta o quão profunda essa frase é, e quanto ela traduz nosso espírito como sociedade. Me desculpem os que assinaram a tal lista de repúdio à candidatura do Senador, mas poucos representam melhor o que o brasileiro faz e pensa no seu dia-a-dia como o novo Presidente do Senado. Querem ver?
Comecemos destrinchando a frase acima.

Se a ética não é um fim, mas apenas um meio para atingir um objetivo (no caso, o interesse nacional), então ela pode ser substituída a qualquer momento se, como meio, não estiver se mostrando eficaz para atingir determinado fim. 

Se o leitor precisa chegar a um determinado endereço e, para tanto, necessita trafegar pela Marginal Pinheiros, ao constatar que a via está congestionada, adota um caminho alternativo. Da mesma forma, segundo Renan Calheiros, se é necessário alcançar um determinado "interesse nacional" que, por meios éticos, não se consegue, às favas com a ética. O que o Senador está propondo, na verdade, é que, para atingir o tal "interesse nacional", vale tudo: roubar, matar, corromper, etc. É uma edição modernizada da máxima segundo a qual, os fins justificam os meios.

E quem decide o que é e o que não é "interesse nacional"? O Senador Renan, oras bolas! Certamente era interesse nacional que nós, brasileiros, pagássemos a pensão da filha que ele teve fora do casamento, afinal, se tivesse que parar para pensar onde arrumaria dinheiro para sustentar a criança, deixaria de pensar em questões maiores, que envolvem o destino da Nação.

Não foi essa a justificativa inicial dos mensaleiros? "fizemos o que se faz sistematicamente no Brasil há quinhentos anos" - disse Lula na célebre entrevista concedida à uma jornalista na França. Traduzindo: Se não tivessem feito o que fizeram, não conseguiriam aprovar as medidas que eram importantes ao "interesse nacional". Quem decidia que medidas eram essas? Lula, oras!

Agora, vejamos se a frase do Senador não demonstra que ele é o político mais identificado com o brasileiro médio nos dias de hoje: Basta que troquemos o "interesse nacional" por objetivos mais, digamos, cotidianos.

"A ética não é um objetivo em si mesma. O objetivo em si mesmo é chegar em casa. A ética é meio, não fim" (ao subornar um guarda após ser pego embriagado em uma blitz);


"A ética não é um objetivo em si mesma. O objetivo em si mesmo é a alegria da galera. A ética é meio, não fim" (ao acender um sinalizador feito para espaços abertos em um local fechado);

"A ética não é um objetivo em si mesma. O objetivo em si mesmo é manter meu lucro e pagar minhas contas. A ética é meio, não fim" (ao sonegar tributos, vender gato por lebre, descumprir contratos, etc); e,

"A ética não é um objetivo em si mesma. O objetivo em si mesmo é conseguir uma dentadura nova. A ética é meio, não fim" (ao vender o voto, ou votar em quem não se conhece só porque a vizinha falou).

Renan Calheiros não chegou ao Congresso por conta de uma quartelada qualquer. Teve empresários que financiaram sua campanha e gente que votou nele, portanto, parabéns brasileiros. Dia a dia estamos, finalmente, moldando uma classe política que realmente corresponde àquilo que nós somos e pensamos. Poucos países no mundo tem esse privilégio.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

MAIS DO MESMO - Por Luciano Blandy

 
29 de setembro de 2006 - O voo 1907 da GOL é atingido em pleno ar por um jato Legacy pilotado por dois americanos que o conduziam aos Estados Unidos, causando a morte de 155 pessoas. Durante as investigações, foi constatada uma sucessão de erros e atos irresponsáveis, tanto dos pilotos do Legacy, quanto dos controladores de voo. Passados quase cinco anos da tragédia, maio de 2011 os dois pilotos foram "condenados" à prestação de serviços à comunidade nos Estados Unidos e um dos controladores de voo - Lucivando Tiburcio Alencar - também foi "condenado" à prestação de serviços à comunidade.

17 de julho de 2007 - Em meio a uma tempestade, o voo TAM 3054 que fazia a linha Porto Alegre-São Paulo, varou a pista do Aeroporto de Congonhas chocando-se com o prédio da própria companhia e causando a morte dos 187 ocupantes da aeronave, além de 12 pessoas no solo. Na época, levantou-se a hipótese de que o acidente teria sido causado por uma falha na reforma da pista do aeroporto, onde não fora instalado o grooving - aparato destinado a escoar a água das chuvas da pista, aumentando a aderência dos pneus das aeronaves no momento do pouso. Ao ser afastada essa possibilidade como a única causa do desastre, tornou-se famosa a imagem do Assessor Especial do Governo Federal - Sr. Marco Aurélio Garcia - fazendo gestos obscenos em comemoração ao fato de que o Governo, em tese, não teria responsabilidade pelo acidente. Em 19 de novembro de 2008, um inquérito de 13.600 páginas foi concluído, atribuindo a responsabilidade à cinco membros da ANAC, três diretores da INFRAERO e dois executivos da TAM. Ninguém foi punido. Marco Aurélio continua como Assessor especial do Governo Federal.

04 de janeiro de 2011 - Após a ocorrência de chuvas torrenciais, a região de Petrópolis, no Rio de Janeiro, foi praticamente riscada do mapa por inúmeros deslizamentos e uma enxurrada gigantesca que causaram dezenas de mortes e deixaram milhares de famílias desabrigadas. Pessoas do Brasil inteiro se apressaram a doar cestas básicas, roupas e dinheiro às vítimas. Pouco depois, descobriu-se que parte do dinheiro doado havia sido desviado por ONGS que se diziam incumbidas de auxiliar os trabalhos de reconstrução da cidade e que grande parte dos alimentos doados, apodreceu em galpões da prefeitura sem chegar a quem deles necessitava. Até hoje ninguém foi punido pelos desvios e as cidades atingidas continuam "em reconstrução".

27 de janeiro de 2013 - Um incêndio de grandes proporções destruiu a Boate Kiss, na cidade de Santa Maria, causando a morte de mais de duas dezenas de jovens que ali se divertiam. Pelo pouco que se sabe até o momento, o local não possuía Alvará dos Bombeiros e encontrava-se possivelmente superlotado. O vocalista da banda que tocava no local teria acendido um sinalizador que acabou por incendiar o revestimento acústico instalado no teto da boate, que não foi controlado porque os extintores de incêndio não funcionaram. Ao tentarem escapar das chamas, os clientes descobriram que o local só possuía uma saída apenas, que encontrava-se bloqueada por seguranças que insistiam que todos pagassem a conta antes de sair. Aqueles que correram para o banheiro, na tentativa de escapar pela janela basculante ali existente, foram surpreendidos com uma parede de madeira bloqueando a saída.

É triste, mas é real. Ninguém será punido com algo mais do que algumas cestas básicas ou prestação de serviços à comunidade. Os dramas pessoais que tanto indignam a tantos neste momento, daqui quatro ou cinco anos quando, com sorte, os processos criminais forem concluídos, se converterão nos mesmos muxoxos de balcão de padaria de sempre: "Você viu que absurdo? Esse país não tem jeito mesmo".

Resta a pergunta: Como nós, como povo, como sociedade, chegamos a este ponto de frieza, de desumanidade?

Não é coincidência e nem obra desta ou daquela facção política. Trata-se de uma estratégia estruturada, de longo prazo implantada há mais de 40 anos, que agora alcança seus nefastos objetivos: Manter um povo ignorante, iletrado e, por isso mesmo, manso e amestrado. A imoralidade, falta de respeito por si próprio e pelo próximo e o clima de "cada um por si" são apenas efeitos colaterais esperados e aceitáveis.

O homem se distingue dos demais animais pela sua capacidade de transmitir conhecimento à geração futura que, por sua vez, o enriquece com seu próprio intelecto e o transmite, enriquecido, à próxima e assim por diante. Sem essa transferência, não nos diferenciamos muito de qualquer outro animal. Vivemos conduzidos por instintos básicos - viver, procriar, buscar o próprio sustento. É a cultura que nos coloca freios entre o que é admissível fazer e o que não é.

O espertalhão que acionou um sinalizador em um ambiente fechado não tinha, provavelmente, capacidade intelectual para raciocinar (usar a razão) sobre as consequências que poderiam advir deste ato. O segurança que barrou as vítimas, impedindo que fugissem do incêndio, é um autômato. O "patrão" só o paga para não deixar ninguém sair sem pagar, não para raciocinar (usar a razão).

A falta de cultura, a carência de educação de um povo trás como consequência inafastável, à qualquer classe social, uma geração amoral, sem limites. Mesmo os donos da boate, ou os responsáveis pelas outras tragédias citadas neste artigo, se condicionam a viver na base do "cada um por si". Ora, porque eu vou agir corretamente se o meu vizinho não age igual?

Fala-se em falta de fiscalização. Um povo educado não faz o certo porque o guarda não está olhando, faz o certo porque é o certo.

Vai mudar? essa nova tragédia (mais essa!) vai contribuir para que outras não ocorram? Duvido. Enquanto a sociedade não se der conta e verdadeiramente exigir que nossos recursos sejam revertidos primordialmente para a criação de um sistema educacional sério, não ideologizado e que dê condições intelectuais para que o indivíduo se aprimore cultural e moralmente, continuarão a se repetir os casos escabrosos, em que irresponsáveis ceifam vidas e ninguém é punido.